quinta-feira, 13 de setembro de 2007


Não são raras as vezes que o facto de não levarmos até ao termo alguma ideia traz a paz e uma tranquilidade racional à alma.
Passou-se isso, por exemplo, com o novo “Our Love To Admire” dos Interpol.
Acima de tudo, passou-se comigo com o “Live Earth”.

Apesar das figuras de proa que eram anunciadas para o evento, nunca acreditei muito no “Live Earth”. O mesmo serve para o “Concert for Diana” e para outros eventos como o “Live Aid”. São muitas vezes demasiadas figuras de proa que trazem um discurso produzido em excesso em vez de actuações com a garra que tais momentos exigem. A culpa, claro, também é das intensas digressões que metem nos bolsos das editoras o dinheiro que os discos e, acima de muito, os downloads legais não metem.
Foi então o facto de também não esperar muito de qualquer dos eventos referidos que não me fez ter o trabalho de escrever nenhuma missiva para um dos vários programas que a RTP tem e que não cumprem a sua função, o “Programa do Provedor”.

Eu passo a explicar: esse programa é um programa onde as pessoas fazem tanto valer os seus direitos e liberdades quanto as suas limitações morais. A congregação destes dois aspectos é feita no exemplo que vi e ouvi das poucas vezes que vi o programa, em que alguns espectadores se manifestavam contra um programa de educação sexual infantil devidamente adequado quer ao público a que se destinava, quer ao horário madrugador em que foi emitido. Na resposta a estas intervenções vem o incumprimento das funções do programa: o provedor muito diz, nada faz. Pode fazer? Talvez não. Porque existe o programa? Para envergonhar a RTP ou para que o sentido de vanglória íntimo de cada um vá à bola finalmente com a famosa “caixinha de sugestões”?

Finalizando este caso, nada teria que ser feito, logo, nada foi feito. Em relação ao “Live Earth”, alguma coisa tem que ser feita principalmente na doutrina e condutas que passeia consigo. Nesta matéria, a indignação em massa de muitos espectadores mereceu uma resposta de Nuno Santos, director de programas da RTP, no “Programa do Provedor”. Mereceram consideração minha algumas ideias:

- “A RTP1 é um canal nacional e generalista que trabalha para todos os portugueses. Portugueses de todas as classes sociais, de todas as regiões do país, de todas as idades. Com este horizonte, e não é possível confundi-lo com as elites, as pseudo-elites ou simplesmente com aqueles que têm mais acesso à informação ou ao conhecimento, acontecimentos como o espectáculo de homenagem à Princesa Diana ou o Live Earth necessitam de enquadramento e de contextualização de modo a serem efectivamente entendidos por todos.”

. É precisamente no campo das artes que a RTP não é um canal generalista. Contudo, o preconceito já está enraizado: não há que apostar em formatos ou gente sem provas dadas, há que deixar isso para quem o quiser fazer. Se o “TOP +” da RTP melhorou foi porque passou a trazer para o palco, ao vivo, as estrelas da nova música nacional e que são bandeiras de gala da sua ramificação radiofónica mais jovem e mais jovem-friendly, e mais ouvida: a Antena 3. O maior sucesso da RTP, conducente a um dos programas de maior qualidade da estação, foi o colectivo “Gato Fedorento”, um grupo em que a RTP só apostou devido a um fenómeno de audiências, conversas e comportamentos insustentável para estar de fora da “guerra das audiências”. Atrevo-me quase a dizer que o maior erro da RTP foi não ter sido a Antena 3 versão TV, dada a cobertura magnífica dos concertos e o contributo, embora sempre condicionado, minimamente sério dos profissionais que lá vimos (Nuno Markl, Nuno Calado, etc.).
Pior ainda, há uma subposição da música em relação a qualquer outra arte, e isso é visível em qualquer um dos canais públicos de televisão, cujos afamados programas culturais cultivam o elitismo e a adulação da pintura, da escultura, do cinema e da leitura como artes maiores sem perceber que a música contemporânea – essa sim constantemente posta em causa - consegue ser tanto a arte mais fácil como a mais difícil, uma “arte-gémea” da vida quotidiana.
Sem programas de tentativa de abrangência cultural, a RTP, de facto, esquece “pseudo-elites” (ainda não perceberam que a TV pública em Portugal como incentivo está a morrer e que a TV mundial já não faz grande sentido em 50% do seu tempo) e resume-se a um papel muito melhor: anuncia os festivais de Verão em Portugal, associa-se a eles como patrocinador e não abraça a possibilidade de promover as suas próprias iniciativas em qualquer espaço da sua emissão. Quem sabe se serviço público em Portugal significa não transmitir qualquer concerto de música (realizado em Portugal) e cultivar uma elite macarrónica e anti-vanguardista. Não conhecer algo significa que não vale a pena conhecer. Prossiga a marcha.

- Não vale a desculpa do desnível de horários entre E.U.A e Portugal, nada pode desculpar uma emissão cheia de conversa desnecessária que não sai do politicamente correcto e da iteração de regras de conduta que sabem a sonhos numa noite de Verão. A juntar, claro, a falta de cultura musical não mascarada como deve ser e a aparente inconsciência da transmissão em diferido de concertos (eu ouvi várias vezes a expressão “em directo”).

- Nas questões das alterações climáticas, a acção é muito mais fácil e produtiva que a reflexão, ainda por cima quando se encontra subjugada a um necessário clima de festa em tempo de ameaça futura.

Vale a pena, de facto, uma reflexão da RTP enquanto serviço público de televisão, porque pagar 400 € para um canal que não sabe engolir nada é flagelar a ida a mais uns 10 concertos que se não forem de sucesso, são de qualidade.

1 comentário:

Planeta Pop disse...

Completamente de acordo. Boa análise.
Cheers.

P.S: È bom ver que este blogue voltou a ganhar vida.